"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas não faz mais do que existir. A verdadeira função do homem é viver, não existir". (Oscar Wilde)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Uma análise crítica da obra fílmica SHREK.


Literatura: novas possibilidades de construção.
Por Fabiane Leal e Vera Santos

Literatura é poesia e poesia nada mais é do que a expressão dos sentimentos. Assim como, é capaz de transformar as pessoas que se sensibilizem com o seu toque, com as suas impressões. Ela é tida como uma das artes que possibilitam a transcendência da realidade visto que através dela o ser humano é levado a fazer reflexões acerca de si mesmo e do mundo a sua volta. Seu universo é recheado de possibilidades e de criatividades, já que a leitura e a escrita abrem caminhos para novas histórias serem escritas, contadas e vivenciadas. Assim como foi percebida no filme a inusitada abordagem feita pelo autor do filme Shrek na sua reconstrução de personagens já estigmatizados na Literatura, proporcionando um novo olhar diante da realidade, pois Literatura é vida e a vida se revela na Literatura.
Personagens clássicos, com representações distintas do habitual acompanhado por gerações na literatura clássica, compõem o filme. Delicadeza e finura estética fazem parte do estereótipo da princesa dos contos de fada, contudo não é o que se observa na personagem de Fiona, que traz consigo uma desenvoltura externa diferente da princesa convencional, principalmente ao arrotar e, num outro momento, ao lutar diretamente com o Hobin Hood e seus amigos. A ação de lutar está associada à figura masculina por exigir força e destreza, características associadas ao homem. O personagem feminino salvar o masculino é algo inusitado, uma vez que o mais comum de acontecer é o contrário, contudo, é o que acontece no filme.
Nos dias atuais Fiona representa uma nova mulher, com nova força para atender às novas exigências do mundo moderno, onde tem que lutar diariamente. É a mulher requisitando o seu espaço na sociedade e lutando por ele, mostrando que é possível. Mas, percebemos, também, no papel de Fiona, assim como no de Shrek, a verdadeira beleza interna de cada um, aquela que trazemos conosco independentemente das nossas aparências e agrados externos. Importa mesmo ser quem somos, assumirmos nossa personalidade independentemente das pressões sociais. Podemos, sim, utilizarmos-nos de algumas máscaras (personas) para socializarmos e enfrentarmos algumas situações diárias, mas o que não deve acontecer é nos tornarmos estas máscaras, deixando de ser o que somos realmente. Fiona é a nossa parte que é o que é independentemente das opiniões alheias. Princesa bem decidida no que quer, não perde tempo para agir de acordo com as suas decisões (ainda que estejam equivocadas).
Como na vida todos são passíveis de transformações nas suas descobertas de si mesmo, o Gato de Botas assim se viu. Mostrando-se mercenário num primeiro momento ao vender seus serviços ao pai de Fiona a fim de aniquilar Shrek, descobriu depois que mais vale uma amizade do que outra coisa. Ido por água a baixo o seu plano de ataque do Shrek e obtido o perdão dele, tornou-se mais um grande fiel companheiro, disponível em lealdade e honra ao querido amigo. Na verdade o Gato sempre teve uma índole boa, vestindo somente uma persona de malvado, o que acabou se desvelando.
É interessante notar que algumas pessoas acabam adotando esta postura de defesa diante da vida, de algumas situações ou pessoas, fazendo-se de duronas, assumindo uma simples máscara distinta daquilo que elas realmente são. Pessoas muito frágeis internamente costumam se proteger da realidade externa desta forma. O problema é que, como já foi dito, acabam se identificando deveras com esta simples persona adotada como mecanismo de defesa e acaba esquecendo sua verdadeira identidade, aquilo que é.
Outro fiel amigo do Shrek é o Burro, que acaba roubando a cena no filme! É ele o condutor de toda a trama, tornando-a interessante e cativante. Era ele quem dava vida a toda a história. Convencionalmente, as pessoas têm estabelecidas em suas mentes a imagem do burro como aquele que nada sabe, desprovido de qualquer valor. Animal de carga e nada veloz, não é visto com grande estima. Contudo, é o seu personagem quem humaniza o filme, caracterizando a intenção de desconstrução, de alguns mitos e personagens, por parte do autor. O burro é o companheiro mais alegre e fiel do Shrek, mostrando-se sempre solidário e fiel ao seu amigo. Com a sua disposição e animação, ele dá dinamismo ao enredo, disposto a seguir Shrek aonde quer que este vá, além de possuir um ótimo bom - humor.
Características como essas contradizem o estereótipo do asno bronco e ignorante, tudo que o Burro não é. O personagem que poderia passar despercebido pelo filme, torna-se o personagem principal, desconstruindo tudo o que se acreditava a respeito desta figura. Quantas pessoas existem à nossa volta, aparentemente sem valor algum e carregam consigo tamanha jóia interna! Pessoas capazes de surpreender, assim como o fantástico burrinho. Personagens do dia a dia que, de maneira sutil ou extraordinária, iluminam o nosso viver com seus entusiasmos, apoio e companheirismos, mostrando-se fiéis ao espírito de lealdade ao que realmente importa na vida: amizade.
E o que dizer da fada-madrinha? Esta sim saiu de encomenda. Nada disposta a fazer o papel de madrinha a que conhecemos, ela somente se interessa pelos seus próprios negócios, além de ser chantagista e preconceituosa. Preocupada em garantir sua “fatia do bolo” do reinado, faz de tudo para que seu filho se case com Fiona, utilizando-se de truques ardilosos para isso.
E, finalmente, o que dizer do querido Shrek. Sim, isso mesmo, querido, pois mesmo sendo um monstro do pântano (Ogro), caiu nas graças da criançada. Um ser perseguido pelos moradores dos seus arredores por conta da sua “monstruosidade”, o que faz com ele queira ficar afastado das pessoas, indo viver isoladamente no pântano. Sua intenção é sempre manter as pessoas afastadas de si mesmo, pois acabou achando que ogros não são seres socializáveis já que as pessoas olham para ele e, segundo ele próprio, dizem: Ah, socorro! Um ogro horrível! Desta maneira ele prefere ficar sozinho, já que as pessoas o julgam sem o conhecerem.
Ele sabe que as aparências enganam e nem sempre querem dizer muita coisa, o que fica claro na sua fala quando diz ao burro que “às vezes as coisas são mais do que parece”. Contudo, na sua relação com o Burro as diferenças acabam por serem ignoradas. A monstruosidade cedeu lugar ao belo. Shrek é um ogro com bons sentimentos no coração, apesar da sua tentativa em afastar as pessoas dele mesmo. Isso surpreende. Como pode um Ogro ser um puro de coração? As aparências realmente enganam e nem demonstram o que parece ser. Todavia, o que mais fazemos é julgar e rotular com base nas aparências, sem nos preocuparmos em aprofundar nossos olhares em relação às coisas, às pessoas e à vida.
Como o próprio Shrek diz “as pessoas são como cebolas, possuidoras de camadas”, mas na correria do dia a dia as pessoas não tem mais tempo para se aprofundar nas suas relações com os outros. Perdemos valiosas oportunidades de construir belas e valiosíssimas amizades por preguiça em buscar conhecer melhor as pessoas. O ser humano, que está deixando de ser humano, tornou-se superficial nos seus contatos com outros. E, infelizmente, só tem a perder com isso. A vida é relacionamento e quando deixamos de fazê-lo, perdemos, gradativamente, o contato com nós mesmos. O ser humano se constrói nas suas relações mais profundas consigo, com o outro e com o mundo.
Estando superficiais em suas relações e cada vez mais individualistas, as pessoas se tornam egoístas e preocupadas em seus próprios interesses, muitas vezes desqualificando os outros, como no caso do Príncipe Encantado, que como tal nada se assemelha aos príncipes dos contos clássicos. Possuidor de um caráter fraco e duvidoso, age somente conforme seus interesses. Nada apresenta de semelhante com os nobres cavalheiros, possuidores de grande honra e virtudes. Muito parecido com seu pretenso sogro, o Rei (pai de Fiona), que se apresenta falso, inflexível e preconceituoso ao não permitir que um Ogro case com sua filha.
O filme em seu contexto geral não só encanta como também surpreende por apresentar como personagens principais figuras que fogem aos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade, onde o mocinho se apresenta como um ogro tendo como seu companheiro um burro falante e a princesa final assume a forma de um ogro. Vale notar, ainda, que durante a obra percebemos práticas discursivas a respeito da mulher e principalmente da beleza, sendo abordado inclusive a beleza interior. Somos levados a apreciar e aceitar novos e diferentes padrões, distintos dos quais estamos equivocadamente acostumados.
Como educadores, devemos estar atentos aos discursos subjetivos nos filmes infantis, pois estas representações auxiliam na constituição das identidades e subjetividades das crianças.

Produzido em 16/10/2009

3 comentários:

  1. O filme Shrek é bastante legal e interessante. Gostei da maneira como o professor Gedean nos apresentou além desse filme os outros também. Proximo semestre é ele de novo, que Maravilha^^

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  2. Vocês duas me surpreende, hein. Tenho orgulho de vocês e, claro, de fazer parte da vida dessas duas pessoinhas maravilhosas. Um cheiro no coração .... =^.^=

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  3. Pois é... Diante desta nova abordagem, percebemos que, como educadoras, é preciso expandirmos nossos olhares a respeito das coisas, não é mesmo? Viu só quanta coisa numa simples leitura deste maravilhoso e instigante filme! Não podemos mais exibí-los para nossas crianças como meros instrumentos de lazer, sem antes fazermos as devidas reflexões acerca dos temas abordados. E que possamos ampliar, cada vez mais, nossos olhares a respeitodas coisas e da vida!! Grande abraço,

    Fabiane Leal

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